sexta-feira, 27 de abril de 2007

Cartas III



Alibis...é este o seu nome?! Meu Deus, não sei o que pensar deste seu sinal! É-me difícil acreditar
que exista! Nunca imaginei encontrar alguém que tivesse tanto trabalho só para contactar comigo! Realmente, o Alibis só pode ser de outro mundo!
Tenho pensado... diz que quer falar-me de como é tudo por aí... Também eu quero falar-lhe de como são as coisas por aqui: algo decepcionantes. Quem sabe não será por aqui que se encontra o horror e aí o paraíso. E todos nós com medo de ir para aí! As coisas estranhas que o universo contém!
Repare, se puder (assim espero...) na imagem que lhe envio. São artérias. Nós somos feitos de carne e osso (terei que lhe explicar isto numa próxima oportunidade). No nosso interior, temos esta espécie de "condutas" que lhe mostro, quer dizer, as artérias. Porque é que elas são importantes, ao ponto de eu lhe falar delas? Pergunta, aposto... Pois é, nelas circula o que nos dá vida: o sangue. Prometo que proximamente lhe falo mais de sangue. Por hoje, fico-me pelas artérias. Importantes elas, importante o sangue. Este último tem um cariz especial. Não deve calcular, parece-me, o infinito número de fantasias que há por aqui à volta do sangue! Fantasias...realidades? Talvez o Alibis possa vir a esclarecer-me sobre isto.
Queria ainda falar-lhe, desta vez, de outra coisa importante que nós temos: o medo. Ah, o medo, o medo que nos faz tremer e ser...! Claro que gostarei de saber como é tudo por aí, mas confesso-lhe que sinto precisamente isto: medo, medo de si e dessa outra dimensão, desse seu mundo estranho e desconhecido para mim, para nós. E porquê?, pergunta, aposto! Pois é, não me sinto capaz de lhe explicar. Mas posso referir-lhe aquilo a que o medo sempre se aplica, no nosso caso, ou seja, outro aspecto interessante: o desconhecido. Temos muito medo do desconhecido, muito! E repare que eu nem ao menos sei se esse lugar que habita é um mundo depois da morte ou qualquer coisa distinta, mais do tipo universo paralelo. Não sei...desconheço... E seja uma ou outra coisa, tudo isso causa receio. Será que posso contar consigo para ficar menos confusa e até menos receosa?
Portanto, voltando ao que quero que retenha, desta vez: artérias, sangue, medo e desconhecido. Ofereço-lhe estas informações, esperando que elas possam aí chegar em boas condições, uma vez que o Alibis parece dominar tudo o que é tecnologia. Nós, por aqui, nomeamos esse tipo de coisas como poderes ocultos; muito estranho, eu sei, mas tem certamente razão de ser.
E agora, uma pergunta lhe deixo também ficar:
- Por aí, existe mal? Gostaria muito de trocar ideias consigo sobre isto.
Que não têm frio, nem sabem o que é, já estou informada. No entanto, ainda não compreendi, embora me pareça fantástico. Estou igualmente curiosa acerca desta questão do mal.
A propósito de tudo isto, gostaria de lhe referir alguém que também pensou nestas coisas todas, do medo, etc. Um senhor chamado H.P. Lovecraft. É por isso que deixo aqui ficar um anexo a esta minha comunicação consigo. Para que o Alibis leia e possa partilhar comigo, assim como para que possa conhecer melhor o meu mundo. Certamente, todas estas minhas referências servirão para que o Alibis possa fazer as suas próprias pesquisas sobre todos estes aspectos que caracterizam a dimensão onde, por agora, existo. Fiquei com a sensação de que também existe desconhecido para si e que ele será precisamente este meu mundo, por exemplo, eu mesma, uma desconhecida. Mas não se inquiete por isso, eu própria não me conheço assim tão bem...
Ainda não acredito que o Alibis exista!! Quer dizer, acredito incrédula! De qualquer modo, tenho a estranha sensação de que o Alibis vai ser muito importante para mim.
Aguardo resposta (que espero não se deteriore ao atravessar a porta de acesso ao meu universo espacio-temporal).

mundo físico. dia de hoje. Sibila

(imagem: Artérias, António Sá)

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Cartas II



Carta de outra dimensão

S.i.b.i.l.a

N.ã.o i.m.a.g.i.n.a a.s v.o.l.t.a.s q.u.e t.i.v.e q.u.e d.a.r a.q.u.i n.o a.l.é.m c.o.m.o a S.i.b.i.l.a d.e.s.i.g.n.a o m.e.u h.ab.i.t.a.t p.a.r.a d.e.s.c.o.b.r.i.r e.s.s.e s.i.s.t.e.m.a d.e c.ó.d.i.g.o d.e q.u.e m.e f.a.l.o.u n.a s.u.a c.a.r.t.a. P.a.l.a.v.r.a.s ? E.s.p.e.r.o r.e.c.e.b.a e.s.t.e m.e.u s.i.n.a.l.
N.ã.o s.e.i s.e e.s.t.o.u c.o.m u.s.o c.o.r.r.e.c.t.o d.a.s t.a.i.s p.a.l.a.v.r.a.s.


Q.u.e.r.o u.s.a.r p.a.l.av.r.a.s
p.a.r.a a S.i.b.i.l.a s.a.b.e.r c.o.m.o s.ã.o a.s c.o.i.s.a.s p.o.r a.q.u.i
m.a.s t.e.r.á q.u.e s.e.r d.e.v.a.g.a.r
p.o.r.q.u.e p.a.r.a u.s.a.r a.s p.a.l.a.v.r.a.s v.e.j.o.-m.e g.r.e.g.o.
É u.m.a l.í.n.g.u.a d.a.s m.u.i.t.a.s q.u.e t.ê.m o.u t.i.v.e.r.a.m p.o.r a.í, c.o.r.r.e.c.t.o? U.m.a d.i.f.í.c.i.l?
N.ã.o s.e.i c.o.m.o s.e e.n.t.e.n.d.e.m n.e.s.s.a B.ab.i.l.ó.n.i.a.
F.a.l.e.i b.e.m?


T.e.n.h.o e.s.t.u.d.a.d.o i.m.e.n.s.o, t.a.n.t.o, t.a.n.t.o p.a.r.a l.h.e d.a.r e.s.t.e s.i.n.a.l ! M.a.s o p.i.o.r f.o.i d.e.s.c.o.b.r.i.r o e.q.u.i.p.a.m.e.n.t.o q.u.e u.s.a.m.o.s a.q.u.i p.a.r.a d.e.s.c.o.d.i.f.i.c.a.r s.i.n.a.i.s d.e o.u.t.r.a.s d.i.m.e.n.s.õ.e.s. C.o.m.p.l.i.c.a.d.o. J.u.l.g.o n.ã.o e.s.t.a.r n.a.s m.e.l.h.o.r.e.s c.o.n.d.i.ç.õ.e.s d.e t.r.a.n.s.m.i.s.s.ã.o. P.a.r.a d.e.s.c.o.d.i.f.i.c.a.r t.a.m.b.é.m f.o.i u.m s.a.r.i.l.h.o m.u.i.t.o g.r.a.n.d.e. P.o.r i.s.s.o d.e.m.o.r.e.i a d.a.r.-l.h.e e.s.t.e s.i.n.a.l. E s.e.i q.u.e v.a.i c.h.e.g.a.r a.í e.m c.o.n.d.i.ç.õ.e.s d.e.f.i.c.i.e.n.t.e.s. E o s.i.n.a.l v.a.i p.a.s.s.a.n.d.o m.a.s m.u.i.t.o l.e.n.t.o.

E.m b.r.e.v.e l.h.e e.n.v.i.o o.u.t.r.o s.i.n.al. E d.e m.e.l.h.o.r q.u.a.l.i.d.a.d.e. T.e.n.h.o s.ó q.u.e d.e.s.c.o.b.r.i.r q.u.a.l a p.o.r.t.a c.e.r.t.a p.a.r.a c.o.n.s.e.g.u.i.r p.e.n.e.t.r.a.r n.a.s s.u.a.s l.i.m.i.t.a.ç.õ.e.s t.e.m.p.o.r.a.i.s. Q.u.e.r.o r.e.v.e.l.a.r.-.l.h.e m.u.i.t.a.s c.o.i.s.a.s.


A.g.o.r.a a.d.i.a.n.t.o j.á q.u.e p.o.r. a.q.u.i a.s c.o.i.s.a.s n.ã.o s.ã.o n.a.d.a c.o.m.o i.m.a.g.i.na. S.o.s.s.e.g.u.e. A.q.u.i n.ã.o p.a.s.s.a.m.o.s f.r.i.o. N.ã.o s.a.b.e.m.o.s o q.u.e é. M.a.s j.u.l.g.o r.e.f.e.r.i.r.-s.e a a.l.g.o d.e.s.a.g.r.a.d.á.v.e.l . A.c.r.e.d.i.t.e. N.ã.o h.á n.a.d.a d.i.s.s.o a.q.u.i.
E c.o.m.o p.o.d.e a.g.o.r.a e.s.t.a.r c.e.r.t.a, e.u e.x.i.s.t.o.

A.t.é b.r.e.v.e S.i.b.i.l.a

m.u.n.d.o m.e.t.a.f.í.s.i.c.o - s.e.m t.e.m.p.o - A.l.i.b.i.s


(imagem: Bruno Abreu, Irresistível)

domingo, 22 de abril de 2007

Cartas I



Carta para outra dimensão

Caro senhor Y:
Daqui de onde lhe escrevo, o mundo parece cinzento e as nuvens rodeiam os contornos de tudo. Dou por mim a imaginar que por trás destas névoas se encontra essa outra dimensão onde o senhor existe. Experimentei estender a mão no ar e fazê-la penetrar na humidade descolorida. Mas nada... Não senti nada do outro lado... Suponho que imaginei encontrar outra mão estendida do lado de lá, uma mão que eu pudesse agarrar e tocar, enfim contactar com esse seu outro mundo. Mas nada... Nem mão nem nada.
Estou decepcionada, confesso... Até porque tenho a certeza de que o senhor e outras companhias andam por aí. Agora, repare, se não me derem qualquer sinal, pode acontecer que eu nunca descubra a chave para abrir a porta através da qual poderemos comunicar.
Serve esta carta para lhe dar o meu próprio sinal. Ficarei à espera de uma resposta. Ah, pois... mas em que termos virá a sua resposta? Bom, não espero nada pelo correio nem nada electrónico. Bem sei que é preciso dar voltas à imaginação, bem sei...
Por outro lado, pois é... isto é uma carta, eu escrevo-lhe. Aqui, onde me encontro, todos tentamos entender-nos assim: por palavras, enfim...às vezes gestos, é verdade. Mas tudo isto aqui funciona muito à base de palavras. Certo tipo de sinais com os quais nos entendemos e desentendemos. Audíveis ou legíveis, conforme. Mas, por aí, consta que é o silêncio... Ou será que sou eu que não oiço? Ou que não consigo ler?
Eu tentei comunicar através de um toque, um contacto material, bem sei, por aí as coisas devem ter outros contornos, quem sabe nenhuns. A ideia que por aqui temos daí é a de que será tudo frio, gélido mesmo... Mas é tudo muito vago...
Agora, poderia perguntar-me: como sei eu, então, que existe esse outro lugar diferentemente dimensionado? Afinal, o destino desta minha missiva um pouco tresloucada. Ou fantasiada?
Bom...não há como explicar. Não há.
Afinal, pode muito bem ser que esse outro mundo seja precisamente isso: um lugar sem explicações. E, portanto, sem linguagem! Como vamos comunicar?! Acho que esta carta já é mais qualquer coisa do domínio do desespero. O desespero da incomunicabilidade...
Todavia, aguardo resposta.

mundo físico. dia de hoje. Sibila

(imagem: Juan Doffo, Nada se assemelha à eternidade)

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Para quê?


Serve este blog, entre outras coisas, para trazer à luz uns quantos escritores e artistas que se encontram soterrados pela ambiciosa crença na razão como força todo-poderosa. Que tem poderes, tem, sem dúvida. Mas limitados.
Do irracional, do inexplicável, do fantástico, do macabro, do horror e do terror e ainda de tudo aquilo que costumamos designar por domínio do "oculto", não podemos nunca desligar-nos. Por muito que queiramos...
Espero, assim, prestar uma homenagem, mesmo que modesta e meramente simbólica, a estes grandes escritores e artistas que estão esquecidos e erradamente relegados para segundo ou terceiro plano.
Há muitos destes personagens que admiro profundamente e que farei questão de recordar. No entanto, há que destacar o "mestre" por excelência: Edgar Allan Poe!

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Noite silenciosa
Noite misteriosa
Sem que a morte me leve
De vida me animas
Afasto uma nesga de sol
devoro radiações de lua e existo assim
no inexplicável

Entro em ti, oh noite
e em ti me encontro
na solidão das sombras
o corpo indefine-se
massa, volume, área de fusco-luz
desejo ondeante
das respirações ocultas
que subsistem aí
indecifráveis
nos sonhos
intocáveis, incorpóreas
sopros, fumos
informes
instilando prazeres
além
e eu aquém...

que da alucinação vêm povoar o espaço
da minha noite impossível

terça-feira, 17 de abril de 2007

A Sibila



"A fibra mais recôndita do seu ser era a ternura - a mais bela e mais rara ternura.
(...) Mas o pudor impedia-a de dar à sua voz um tom mais vivo, de a fazer pronunciar uma dessas palavras impulsivas e doces e tão banais em que se comunica o fulgor dum sentimento. O pudor é, talvez, a mais violenta, a mais iniludível das manifestações de sexualidade. (...)"
A Sibila, Agustina Bessa-Luís

(pintura de Amadeo Modigliani)