domingo, 22 de abril de 2007

Cartas I



Carta para outra dimensão

Caro senhor Y:
Daqui de onde lhe escrevo, o mundo parece cinzento e as nuvens rodeiam os contornos de tudo. Dou por mim a imaginar que por trás destas névoas se encontra essa outra dimensão onde o senhor existe. Experimentei estender a mão no ar e fazê-la penetrar na humidade descolorida. Mas nada... Não senti nada do outro lado... Suponho que imaginei encontrar outra mão estendida do lado de lá, uma mão que eu pudesse agarrar e tocar, enfim contactar com esse seu outro mundo. Mas nada... Nem mão nem nada.
Estou decepcionada, confesso... Até porque tenho a certeza de que o senhor e outras companhias andam por aí. Agora, repare, se não me derem qualquer sinal, pode acontecer que eu nunca descubra a chave para abrir a porta através da qual poderemos comunicar.
Serve esta carta para lhe dar o meu próprio sinal. Ficarei à espera de uma resposta. Ah, pois... mas em que termos virá a sua resposta? Bom, não espero nada pelo correio nem nada electrónico. Bem sei que é preciso dar voltas à imaginação, bem sei...
Por outro lado, pois é... isto é uma carta, eu escrevo-lhe. Aqui, onde me encontro, todos tentamos entender-nos assim: por palavras, enfim...às vezes gestos, é verdade. Mas tudo isto aqui funciona muito à base de palavras. Certo tipo de sinais com os quais nos entendemos e desentendemos. Audíveis ou legíveis, conforme. Mas, por aí, consta que é o silêncio... Ou será que sou eu que não oiço? Ou que não consigo ler?
Eu tentei comunicar através de um toque, um contacto material, bem sei, por aí as coisas devem ter outros contornos, quem sabe nenhuns. A ideia que por aqui temos daí é a de que será tudo frio, gélido mesmo... Mas é tudo muito vago...
Agora, poderia perguntar-me: como sei eu, então, que existe esse outro lugar diferentemente dimensionado? Afinal, o destino desta minha missiva um pouco tresloucada. Ou fantasiada?
Bom...não há como explicar. Não há.
Afinal, pode muito bem ser que esse outro mundo seja precisamente isso: um lugar sem explicações. E, portanto, sem linguagem! Como vamos comunicar?! Acho que esta carta já é mais qualquer coisa do domínio do desespero. O desespero da incomunicabilidade...
Todavia, aguardo resposta.

mundo físico. dia de hoje. Sibila

(imagem: Juan Doffo, Nada se assemelha à eternidade)

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