quinta-feira, 17 de maio de 2007

Cartas V



Alibis: Hoje estou muito triste. Não sei se sabe o que é a tristeza... A vida por aqui ocupa-nos tanto! Não sobra tempo nenhum para lhe escrever. Hoje mesmo, terei que ser breve. No entanto, tinha tanto para lhe dizer. Fica, inevitavelmente, adiado por mais algum tempo.
Mas queria falar-lhe disto que sinto: a tristeza. Que se mistura com o horror. É verdade, muitas vezes se fundem. Poderá o Alibis entender os meus sentimentos? Poderá interessar-se por eles? Não faço a menor ideia... Em jeito de desespero, não tenho outro alguém com quem possa fazer esta catarse da alma.

Imagine um caminho imenso ao longo de um túnel. Por aí fora, eu vou andando... As paredes do túnel vão-se estreitando, vão-se apertando... e eu cada vez mais comprimida. Pode parecer uma questão espacial, mas não. É uma questão temporal. O tempo cada vez mais apertado, mais comprimido à minha frente. Ao fundo do túnel, não há uma luz, como é costume pensar-se, mas sim um rosto. Caminho na sua direcção. Os meus olhos crescem procurando definir os contornos desse rosto. Nunca consigo defini-lo. É como se fosse feito de uma matéria instável. Continuo a caminhar. A tristeza a oprimir os meus passos. Ao fundo, uma ideia que quanto mais procuro agarrar mais se dissolve. E o horror. A certeza aterradora de estar no túnel errado. Sem saída, porque as paredes não têm uma única janela. Nem ao menos um qualquer tubo de ventilação.

Asfixia. De repente, mesmo andando em frente, sempre, uma mão invisível aperta-se, à roda do meu pescoço. Tenho que caminhar com ela e com esta falta de ar a fazer parte de mim e do meu caminho. Esta mão de tremenda frieza crava-se na minha garganta. Páro e tento habituar-me... A mão está lá, os dedos apertam, e tento considerar esta mão como mais um orgão do meu corpo, do qual não me tinha apercebido antes. A mão aperta continuamente, com intensidade controlada. Não ultrapassa o limite para lá do qual eu morreria, mas não afrouxa o aperto de modo que eu possa libertar-me dela.

Além deste sufoco, a mão emana um ambiente que se entranha na minha mente. Um ambiente crispado, de uma crispação medonha e inexplicável. E sinto-me triste, porque uma mão deveria ser um afago, uma carícia, um contacto, um elo, uma ligação... e não esta crispação que fere todos os segundos a pele, a carne, e pior que tudo, a alma!

Sinceramente, acho que o túnel não tem fim, embora crie a ilusão de uma meta. Estamos condenados a seguir esta seta do tempo sempre na mesma direcção. Cada paragem forçada pelo esgotamento é uma morte. Na verdade não morremos. Continuamos o mesmo percurso, sem o sabermos, retomando por uma ponta qualquer, a angústia que a existência anterior deixou ficar ao longo do túnel.

(Imagem: Schane Clark, Grasp)

Um comentário:

Anônimo disse...

A existência não é fácil. Às vezes a tristeza, inevitável, abate-se sobre nós como um véu de negrume, que nos tolda os sentidos e nos dificulta a respiração. Mas, como tudo na vida, acaba por passar. Pois se até a vida é transitória...

Cumprimentos