quarta-feira, 2 de maio de 2007

O medo




«O medo é a mais antiga e mais poderosa das emoções humanas, e o tipo de medo mais antigo e mais poderoso é o medo do desconhecido. Poucos psicólogos questionarão estes factos, e a aceitação desta verdade deve fixar para sempre a genuinidade e o valor do conto fantástico de horror como forma literária. Contra ele são arremessados os dardos fulminantes de uma sofisticação materialista, ancorada em emoções corriqueiras e em eventos externos, e de um idealismo ingénuo e insípido, que deprecia o motivo estético e apela a uma literatura didáctica que "eleve" o leitor até um grau conveniente de optimismo balofo. (...)

O apelo do macabro espectral é normalmente limitado porque requer do leitor um certo grau de imaginação e uma capacidade de alheamento da vida quotidiana. São relativamente poucos os que estão suficientemente livres do feitiço da rotina diária para poder responder aos subtis chamamentos do exterior. (...)

Mas as mentes sensíveis estão sempre connosco, e por vezes um curioso lampejo de imaginação invade um recanto obscuro na mais metódica cabeça; de tal modo que não há quantidade de racionalização, reforma ou análise freudiana que possa anular o estremecimento provocado por um sussurro no canto da chaminé ou por um bosque solitário. (...)

Este tipo de literatura-do-medo não pode ser confundido com um outro tipo aparentemente similar mas psicologicamente bastante diferente: a literatura do medo meramente físico e do macabro vulgar. (...) O verdadeiro conto de horror sobrenatural contém algo mais do que assassinatos secretos, corpos ensanguentados ou formas envoltas em lençóis brancos arrastando correntes, como mandam as regras.

Por volta de 1830 rompeu uma aurora literária que afectou directamente não só a história do conto fantástico mas a história da ficção curta como um todo, moldando indirectamente as tendências e destinos de uma grande escola estética europeia. Enquanto americanos somos afortunados por poder reclamar para nós esse amanhecer, pois surgiu na pessoa do nosso mais ilustre e desafortunado compatriota, Edgar Allan Poe. A fama de Poe tem sofrido curiosas ondulações, e agora é moda entre a "intelligentsia vanguardista" minimizar a sua importância quer como artista quer como influência; mas seria difícil a qualquer crítico de espírito maduro e meditativo negar o tremendo valor do seu trabalho e a potente persuasão da sua mente enquanto desbravadora de perspectivas artísticas.»
H.P. Lovecraft, O terror sobrenatural na literatura

(imagem: H.P. Lovecraft)

Um comentário:

n©n disse...

Olá!
Gostava que viesse participar no meu cadáver esquisito... no Nonblog!